quinta-feira, 13 de junho de 2013

De enfermeira-parteira a escuteira


Decidi entrar de folga hoje mesmo, às 7h30, só porque me apeteceu, e.. vá, porque a minha bicicleta foi emprestada. Digamos de passagem que depois de por 5 crianças no mundo nos últimos dois dias, está na altura de descansar e pensar um pouco nas que já cá estão – nomeadamente nos desnutridos. Deixar de ser enfermeira, ou “parteira” e voltar a ser a escuteira empreendedora, onde as amarrações não faltam. Resultado: um lava-loiça genuíno e uma machamba plantadinha de fresco. Um sorriso lindo do Óscar, que já começa a brincar com uma bola e a dar chutos, sem ainda sequer se aguentar nas pernas de pau, e que mexe o rabo ao som de uma música que lá o cérebro lhe canta, sem conseguir ainda dar um passo [eu sempre disse que estes negros aprendem a dançar ainda antes de aprender a andar: aqui está a prova].


terça-feira, 4 de junho de 2013

Querida Lamparina, troquei-te por uma vela



Gostava de vos contar cada hora dos últimos 5 dias... é que cada hora foi mais intensa do que a anterior... na 6ª um parto pré-termo (27 semanas) e o dia preenchido a cuidar daquela vida 60 vezes mais leve que eu: a ponderação entre aliviar o sofrimento daqueles recém-pais que não têm com certeza mais de 18 anos e ajudar a pequena a viver – cada respiração, cada batimento cardíaco foi uma vitória… são estes pequenos seres humanos que me ensinam a lutar, são eles que me fazem sonhar com a criação de uma neonatologia no Niassa [o meu patrão Follereau dizia que não há sonhos grandes de mais, por isso deixem-me sonhar!].
Depois outro dia, o da criança, vivido de forma tão intensa por todos que me questiono porque raio não fui eu criança em Moçambique. Mas não faz mal, elas deixaram-me ser, deixaram-me participar no seu almoço – um almoço literalmente partilhado: tiras uma garfada de comida do teu prato e dás-me uma grafada da tua comida, como forma de desejar boas festas: resultado: o meu prato que tinha duas assas de frango tem agora arroz branco, arroz amarelo, arroz vermelho, feijão, chima, couve, massa, esparguete, bolacha Maria, bolo frito, e mais outras coisas indecifráveis. Se apanhar uma diarreia, pouco me importa, hoje somos todos crianças!
Deitei-me feliz. 4h da manha o guarda começa no seu tom grave “dá lecensa, dá lecensa?” penso de mim para comigo, entre algum sonho: mas será possível que este bêbado me está  a esta hora a mandar fechar a janela? – o típico, nele. E ele insiste: “dá lecensa? Mama Irene chama” – Ok, levanto-me a correr e cubro-me com uma capulana – penso logo que algum dos meus meninos do centro nutricional está mal. Não, afinal é só um rapaz, que trouxe a sua dama para parir e encontrou a maternidade vazia. Pego na bicicleta e faço o percurso típico com um quarto de luar minguante a iluminar-me. É só uma primigesta bem atrasada, volto para os meus lençóis [vá, admito que tenho um pouco de medo de andar a altas horas da noite sozinha pelo mato africano, mas dizem que aqui não há leões nem elefantes]. Perante um parto arrastado, decido ficar a próxima noite e prenoitar ali mesmo. A maternidade agora é só minha. E faço um parto à luz das velas J