terça-feira, 1 de setembro de 2015

Feijão macaco


Um conselho para quem pensa um dia perder-se por matos africanos: este feijão é macaco!
Lendas há que afirmam ser um óptimo agente pruriginoso, pelo que, se se virem ameaçados, é só pegar neles sem lhes tocar [senão vira-se o feitiço contra o feiticeiro] e atirá-los à ameaça que vos persegue.

Gostaria de deixar claro se realmente se trata só de uma lenda, ou se corresponde à verdade, mas há coisas que prefiro não explorar.

domingo, 30 de agosto de 2015

Da saga: Só no Niassa se ouve disto"

Um jovem,, ao encher uma bola de praia, apercebe-se que esta tem um pequeno furo.
- Isto precisa aqui de"Cura-Tudo". Tens?
- Não tenho, mas gostava!

[Vim a saber que afinal eu possuo "Cura-Tudo", do bom, e que curou completamente a bola...]


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Quotidianos

A maior desgraça que pode acontecer no quotidiano da vida tranquila em Mitande é esquecer-se de por um balde de água ao sol, por volta do meio-dia.

É que depois chega-se à noite e que remédio teremos se não tomar banho em água fria.
E tomar banho de água fria não anima.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Miss Índia, a pasteleira

A Miss Índia precisava de fazer um check-up total à sua saúde. Após 14 meses de abandono a aranhas, pó, sol, crianças e outras espécies inimigas de qualquer artefacto mecânico, a pequena sofria silenciosamente. Disse-mo logo nos primeiros metros que caminhamos juntas, pelo que decidi fazer uma visitinha à palhota onde está instalada a oficina mais próxima.
Tivemos – eu e a Miss – o “privilégio” de ser atendidas pelo Mestre que diagnosticou uma artrose no eixo da pedaleira e no cestinho da frente, uma má-formação no banco e uma inércia crónica a paragens [esta eu já conhecia de outros tempos... a Miss India, tal como todas as outras bicicletas Africanas, nunca aprendeu que quando inicia uma viagem, alguma vez terá de parar. E para parar, os travões precisam de funcionar, não se pode estar sempre a contar com o atrito da areia, porque a areia poderá não existir num momento de aflição].
O mestre iniciou os trabalhos. Aperto daqui, porrada dali, endireita aqui, puxa acolá, ora com martelo, ora com picareta… tivesse a Miss voz e gritaria mais que qualquer parturiente. Uma pancada mais forte para colocar um eixo novo e parte-se a corrente.
- C’um raio, então o papá agora partiu-me a corrente?
- ih irmã! não tem problema, vamos arranjar aqui mesmo…
E toca de começar a martelar na corrente e colocar próteses, e ensaiar na pedaleira… agora ainda falta duas ligações… desmontar, tonar a montar, mais martelada menos martelada… de novo ensaiar na pedaleira, agora está a corrente grande de mais.
Eu já impaciente e alguém diz:
- Irmã, ele é o Mestre. Há-de conseguir arranjar isso aí.
- O que me vale é que estou rodeada de mestres de obras feitas – respondo-lhes em tom de brincadeira.
Com isto já o sol tinha dado lugar a um luar quarto-crescente, cuja luz não era suficiente para continuar trabalhos de tanta precisão, e ninguém – nem mesmo eu, estava disposto a ir buscar uma lanterna a casa. [só um à parte, Mitande continua sem luz elétrica – e eu esqueci-me do ladrão dentro do carro, em Portugal].
Voltei hoje, já com a certeza que a Miss Índia iria ficar pior do que estava. Após uma hora de trabalho a que assisti com muita desconfiança, entre consecutivas pancadas e alguns esquecimentos que fui alertando Sua Excelência o Senhor Mestre [aplicando todos os conhecimentos acerca do funcionamento mecânico de uma pasteleira que adquiri desde que comecei a restaurar uma]. Por fim o Mestre entregou-me a bicicleta, e eis que, após tanta porrada, a Miss estava como nova.
Este povo é realmente especial!



quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Visitas em Mitande

8h17 da manhã. Dirijo-me de bicicleta até ao pátio dos visitados. Chego e desço da bicicleta.
-“odi, odi” [dá licença]
Alguns olhares tiram-me todas as medidas possíveis e imaginárias, sem uma única palavra. Dou uma olhadela pelo quintal. Uma velhinha, de rabo para o ar,  varre do chão as folhas caídas da mangueira, com um molho de ramos secos em jeito de vassoura. Dois patos e uma galinha pavoneiam-se pelo quintal acabado de varrer, picando aqui e ali algum insecto agora descoberto, vão depois molhar a goela numa bacia com água esquecida perto da cozinha. Na cozinha outra mamã retira da panela raízes de mandioca acabadas de cozer, com movimentos lentos, num ritual observado por mais de meia dúzia de crianças que se batem na esteira, rindo. Vem um homem, ainda jovem mas com certeza já pai de família, traz uma cadeira de plástico e convida-me a sentar.
Agora na cadeira de honra e com o dono da casa sentado num saco de farinha vazio, cuja cor se confunde com a terra em que repousa, inicia-se o ritual de saudação.
- Como está?
- Estou bem, não sei como está.
- Ah, aqui tudo bem…
- Hum-hum
- Hum-hum
Questiono pelos membros do grupo que teriam supostamente sido convocados para uma reunião naquela casa.
- Mas ainda não chegaram.
Tudo bem. Estou de férias e tirei a manhã para isto. Aprecio de novo a dinâmica da casa. A mamã que se ocupava da mandioca pega nuns copos de vidro e mergulha-os na bacia de água esquecida, onde antes os patos saciaram a sede. Começo a temer o pior… copos de vidro num ambiente destes é mau presságio, e estas crianças aqui ao lado, sentadas na esteira em vez de estarem a dançar atrás de uma árvore, e nenhum dos membro do grupo ainda presente… Sim, cheira-me a potencial diarreia se não inventar rapidamente uma desculpa.
Não estava enganada. Não tardou que uma menina me trouxesse um púcaro de água cor suspeita e duas formigas a boiar. Tento averiguar se porventura é chá, mas não está a vaporear, pelo que muitas E.Coli vivem contentes e felizes naquele púcaro, em harmonia com os seus familiares e amigos. Entregam o mesmo ao papá sentado no saco de farinha. Os meus neurónios percorrem todas as mentiras possíveis e imaginárias para não beber aquela água, enquanto aguardo calmamente sentada na cadeira por algum gesto do papá. Vem de novo a menina, com um prato tapado com outro prato e o tal copo de vidro com sumo TANG de pó. Respiro de alívio quando vejo que se trata de mandioca cozida e não xima com peixe seco do rio intragável. Autorizada pelo papá, e quando as crianças ao lado também já foram servidas, lavo as mãos com a primeira água [seria quase pecado não lavar as mãos, mesmo que lavar signifique, perante esta água, conspurcar-las] pego numa raiz de mandioca e como, tirando alguns grãos de terra facilmente identificados, mastigando aqueles que não deu para separar. Entretanto, seguindo as leis da lógica, presumo que a água laranja a que se chama sumo foi, antes, igual à água que serviram para lavar as mãos, pelo que vou procurando mentalmente uma desculpa para dar quando me alertarem para o facto de ter um copo de sumo à frente e não lhe ter tocado.
- Irmã, esse sumo aí. Não está a beber.
- Sabe, de manhã eu não costumo beber líquidos.
Já está. É uma desculpa estranha, mas com certeza não tão estranha como a cor da minha pele.

Só para concluir, sobrevivi a mais esta.
Sem diarreia até ao momento!

domingo, 23 de agosto de 2015

De volta a Mitande

Como é bom chegar ao destino!
Depois de milhares de kms de avião, esperas eternas em aeroportos, na esperança de voos que afinal não existem [que LAM, na realidade, significa “Later And Maybe”], uma noite passada [contrariada] num hotel de 4 estrelas por conta da companhia aérea, um encontro feliz e um passeio rápido por um bairro da Beira, um chichi em Tete, um desencontro no Aeroporto de Lichinga, uma viagem apoeirentada pelos 200kms que separam a cidade mais próxima de Mitande num chapa que a cada momento parava para verificar o ar no pneu, afirmando não ter suplente …
E aqui estamos. Finalmente Mitande.
E como é bom saber que os pequenitos não me esqueceram.
E falar a língua
E a abraçar aqueles que pensei nunca mais ver.
E ver filhos de casais que me pediram ajuda pois não conseguiam engravidar.
E perceber que, infelizmente, há gente a depender de mim para ter medicamentos de uso crónico [ex. epilepsia]

E como é bom ver que até duas simpáticas osgas me vieram dar as boas vindas ao quarto e percorrem as paredes na busca de mosquitos que devoram de uma só linguada, para me protegerem da malária.




sábado, 22 de agosto de 2015

Da saga: "Só no Niassa se ouve disto":


-“Vou só ali despedir o Bispo”, diz a empregada da casa episcopal, com todas as letras, dirigindo-se ao Gabinete do Reverendo.