quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Miss Índia, a pasteleira

A Miss Índia precisava de fazer um check-up total à sua saúde. Após 14 meses de abandono a aranhas, pó, sol, crianças e outras espécies inimigas de qualquer artefacto mecânico, a pequena sofria silenciosamente. Disse-mo logo nos primeiros metros que caminhamos juntas, pelo que decidi fazer uma visitinha à palhota onde está instalada a oficina mais próxima.
Tivemos – eu e a Miss – o “privilégio” de ser atendidas pelo Mestre que diagnosticou uma artrose no eixo da pedaleira e no cestinho da frente, uma má-formação no banco e uma inércia crónica a paragens [esta eu já conhecia de outros tempos... a Miss India, tal como todas as outras bicicletas Africanas, nunca aprendeu que quando inicia uma viagem, alguma vez terá de parar. E para parar, os travões precisam de funcionar, não se pode estar sempre a contar com o atrito da areia, porque a areia poderá não existir num momento de aflição].
O mestre iniciou os trabalhos. Aperto daqui, porrada dali, endireita aqui, puxa acolá, ora com martelo, ora com picareta… tivesse a Miss voz e gritaria mais que qualquer parturiente. Uma pancada mais forte para colocar um eixo novo e parte-se a corrente.
- C’um raio, então o papá agora partiu-me a corrente?
- ih irmã! não tem problema, vamos arranjar aqui mesmo…
E toca de começar a martelar na corrente e colocar próteses, e ensaiar na pedaleira… agora ainda falta duas ligações… desmontar, tonar a montar, mais martelada menos martelada… de novo ensaiar na pedaleira, agora está a corrente grande de mais.
Eu já impaciente e alguém diz:
- Irmã, ele é o Mestre. Há-de conseguir arranjar isso aí.
- O que me vale é que estou rodeada de mestres de obras feitas – respondo-lhes em tom de brincadeira.
Com isto já o sol tinha dado lugar a um luar quarto-crescente, cuja luz não era suficiente para continuar trabalhos de tanta precisão, e ninguém – nem mesmo eu, estava disposto a ir buscar uma lanterna a casa. [só um à parte, Mitande continua sem luz elétrica – e eu esqueci-me do ladrão dentro do carro, em Portugal].
Voltei hoje, já com a certeza que a Miss Índia iria ficar pior do que estava. Após uma hora de trabalho a que assisti com muita desconfiança, entre consecutivas pancadas e alguns esquecimentos que fui alertando Sua Excelência o Senhor Mestre [aplicando todos os conhecimentos acerca do funcionamento mecânico de uma pasteleira que adquiri desde que comecei a restaurar uma]. Por fim o Mestre entregou-me a bicicleta, e eis que, após tanta porrada, a Miss estava como nova.
Este povo é realmente especial!



Sem comentários:

Enviar um comentário