A
Miss Índia precisava de fazer um check-up total à sua saúde. Após 14 meses de
abandono a aranhas, pó, sol, crianças e outras espécies inimigas de qualquer
artefacto mecânico, a pequena sofria silenciosamente. Disse-mo logo nos
primeiros metros que caminhamos juntas, pelo que decidi fazer uma visitinha à
palhota onde está instalada a oficina mais próxima.
Tivemos
– eu e a Miss – o “privilégio” de ser atendidas pelo Mestre que diagnosticou
uma artrose no eixo da pedaleira e no cestinho da frente, uma má-formação no
banco e uma inércia crónica a paragens [esta eu já conhecia de outros tempos...
a Miss India, tal como todas as outras bicicletas Africanas, nunca aprendeu que
quando inicia uma viagem, alguma vez terá de parar. E para parar, os travões
precisam de funcionar, não se pode estar sempre a contar com o atrito da areia,
porque a areia poderá não existir num momento de aflição].
O
mestre iniciou os trabalhos. Aperto daqui, porrada dali, endireita aqui, puxa
acolá, ora com martelo, ora com picareta… tivesse a Miss voz e gritaria mais
que qualquer parturiente. Uma pancada mais forte para colocar um eixo novo e
parte-se a corrente.
-
C’um raio, então o papá agora partiu-me a corrente?
- ih
irmã! não tem problema, vamos arranjar aqui mesmo…
E
toca de começar a martelar na corrente e colocar próteses, e ensaiar na
pedaleira… agora ainda falta duas ligações… desmontar, tonar a montar, mais
martelada menos martelada… de novo ensaiar na pedaleira, agora está a corrente
grande de mais.
Eu
já impaciente e alguém diz:
-
Irmã, ele é o Mestre. Há-de conseguir arranjar isso aí.
- O
que me vale é que estou rodeada de mestres de obras feitas – respondo-lhes em tom de brincadeira.
Com
isto já o sol tinha dado lugar a um luar quarto-crescente, cuja luz não era
suficiente para continuar trabalhos de tanta precisão, e ninguém – nem mesmo
eu, estava disposto a ir buscar uma lanterna a casa. [só um à parte, Mitande
continua sem luz elétrica – e eu esqueci-me do ladrão dentro do carro, em
Portugal].
Voltei
hoje, já com a certeza que a Miss Índia iria ficar pior do que estava. Após uma
hora de trabalho a que assisti com muita desconfiança, entre consecutivas pancadas
e alguns esquecimentos que fui alertando Sua Excelência o Senhor Mestre
[aplicando todos os conhecimentos acerca do funcionamento mecânico de uma
pasteleira que adquiri desde que comecei a restaurar uma]. Por fim o Mestre
entregou-me a bicicleta, e eis que, após tanta porrada, a Miss estava como
nova.
Este povo é realmente especial!
Este povo é realmente especial!
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